Eu pensei que seria um simples corte de cabelo no barbeiro. Eu estava enganado. Mal sabia eu que, uma hora depois, minha alma pareceria deixar o meu corpo e meus olhos derramariam lágrimas como nunca antes.
Já havia passado mais de um mês desde o meu último corte. O visual não estava tão terrível. Pré-mendigo, eu diria. Mas era hora de cuidar um pouco da aparência.
Eu não tenho um barbeiro oficial. Meu último corte de cabelo foi no Brasil, com o cabeleireiro da minha mãe (que eu nunca vi antes). Antes disso, foi em uma barbearia turca na Inglaterra, onde colocaram um bastão em chamas dentro das minhas orelhas. Também cortei o cabelo na Polônia, em Israel, na Itália e em vários lugares nos Estados Unidos. Agora, aqui estou em Paris, ainda sem um coiffeur oficial.
Durante um passeio casual, fiz o que qualquer pessoa na minha situação faria: entrei na primeira barbearia que encontrei. No passado, essa abordagem sempre funcionou bem. Desta vez seria diferente. A placa na parede dizia "Barber Bros". Eu nem imaginava que minha vida estava prestes a mudar para sempre.
Ao entrar, um cavalheiro me cumprimentou com um caloroso "bonjour" e me ofereceu uma xícara de café expresso. O início de uma experiência cinco estrelas, pensei. O cavalheiro rapidamente me encaminhou para o meu barbeiro oficial, um jovem chamado Bilau. Sim, Bilau. “Red flag?” Certeza.
Ao me sentar, expliquei que meu conhecimento do idioma local não era tão bom. Para minha surpresa, o próprio Bilau falava muito pouco francês. Isso não deixava espaço para conversa mole. Apenas grandes mal-entendidos.
Felizmente, os amigos de Bilau no salão vieram em meu socorro. Um deles falava espanhol e outro sabia um pouco de inglês. Eles seriam os intermediários entre Bilau e o destino do meu cabelo e barba. E assim, embarcamos em uma aventura, um exercício multilíngue de comunicação com pouquíssima chance de sucesso.
Através de seus intérpretes, Bilau me perguntou que tipo de corte de cabelo eu queria. Comecei explicando, em francês mal falado, que estava procurando algo tradicional e clássico. Apenas uma pequena aparada no cabelo e na barba, nada muito extravagante ou extremo. Infelizmente, ele não entendeu uma palavra do que eu disse, e parecia que a equipe de tradutores também não entendeu nada. Então, tentei novamente em espanhol e finalmente em inglês. Deu no mesmo.
Na minha angústia, cometi o grave erro de usar uma expressão em francês que aprendi muitos anos atrás, em um contexto completamente diferente. Olhei nos olhos profundos de Bilau e disse com convicção: "Carte blanche, mon ami." Meu barbeiro ainda não entendeu, mas o grupo multilíngue sabia exatamente o que eu queria dizer desta vez. "Você pode fazer o que quiser, Bilau", avisaram a ele em árabe, com o sorriso mais amplo que já vi.
Bilau estava radiante. Como Edward Mãos de Tesoura, ele pegou suas ferramentas e começou a trabalhar em meu cabelo como se estivesse executando uma dança sincronizada. No primeiro minuto, Bilau pegou uma navalha da gaveta e, antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, raspou 90% da minha barba. Eu não conseguia mais me reconhecer no espelho à minha frente. Parecia uma mistura de frango, tartaruga das Galápagos e o saco do meu avô (RIP).
Minha miséria estava apenas começando.
Apesar do desastre na barba, Bilau surpreendentemente fez um bom trabalho com meu cabelo. Em seguida, chamou seu tradutor para transmitir uma mensagem cifrada. "Você gostaria do tratamento especial?", perguntou o amigo de Bilau em seu nome. Pego de surpresa e sem saber o que esperar, não pude dizer outra coisa senão "Sim". Eu não fazia ideia do que havia concordado. Naquele momento, poderia ser algo incrível, um ritual peculiar, uma provação dolorosa ou uma combinação de tudo isso. Mal sabia eu que ficaria ainda pior.
Com o meu consentimento informal, o Departamento de Tratamento Especial (DTE) entrou em ação rapidamente. A sequência imediata de eventos foi surpreendentemente agradável. Uma toalha quente foi colocada sobre o meu rosto, seguida pela aplicação de um creme de baunilha relaxante. Em seguida, veio uma massagem deliciosa na cabeça e nos ombros. Tudo parecia perfeito, quase bom demais para ser verdade. E, de fato, era.
E então chegou a grande final.
Enquanto eu relaxava e começava a acreditar que toda a experiência havia valido a pena, Bilau pegou uma lata preta de metal conectada a uma tomada elétrica na parede. Dentro dela, um líquido espesso com aparência de caramelo fervia. Eu podia perceber que estava quente demais. "Cera, tudo bem?", perguntou o tradutor. Em vez de dizer a única coisa que eu deveria ter dito ("Não, obrigado"), eu concordei com a cabeça. E foi então que Bilau pegou uma espátula de madeira, colocou uma boa quantidade de cera derretida e começou a espalhá-la no meu rosto, criando uma linha para a barba onde nenhum pelo cresceria pelos próximos dois meses, como ele explicou.
Naquele momento, a expectativa de dor surgiu, mas eu me consolei pensando que não poderia ser pior do que o que as mulheres enfrentam gerações a fio com a depilação de axilas, pernas e outras áreas delicadas. Seria apenas um leve desconforto na pele do meu rosto, eu me convenci. Afinal, eu me considerava um homem honrado que poderia lidar com um pouco de dor.
Mal sabia eu o que Bilau tinha reservado para mim. Ele fez algo impensável. Pegou quatro pedaços de algodão, mergulhou-os na cera quente e os inseriu rapidamente nas minhas narinas, antes mesmo que eu pudesse entender o que estava acontecendo. O pânico tomou conta de mim, e meu coração começou a bater descompassadamente.
Três minutos angustiantes depois, Bilau estava pronto para executar seu próximo movimento. À medida que a cera secava, ele agarrou os bastões e os puxou com uma velocidade e força tão intensas que senti uma dor ardente. Não pude conter o grito, mas fingi para Bilau que estava tudo bem. Eu menti. Nada estava bem. Bilau não apenas havia arrancado meus pelos do nariz, mas também minha dignidade, minha alma e meu espírito. Chorei enquanto tentava parecer composto. Meu Deus, o que havia acabado de acontecer? Era uma dor no mais alto nível.
Lágrimas escorriam pelo meu rosto, misturando-se aos resquícios de cera. Eu havia derramado lágrimas e perdido pelos do nariz. Eu estava limpo, mas também quebrado. Bilau havia me tirado a virgindade da depilação com cera.
Os próximos minutos se tornaram uma névoa. O trabalho de Bilau estava concluído. Levantei-me da cadeira, paguei pela experiência e saí rapidamente da barbearia. Meu coração continuava batendo irregularmente, meu cérebro estava entorpecido e meu nariz tinha uma sensação peculiar de nudez. Não restava um único pelo. Eu havia sido violado. E, de alguma forma, como uma vítima de síndrome de Estocolmo, eu sabia lá no fundo que provavelmente voltaria para mais.
Rodrigo Bressane
Paris, França
Duas coisas pra você fazer antes de picar a mula. Me siga no Twitter e Instagram. Só isso. Te vejo em breve.
Hahaha, só vc mesmo meu amigo... Sempre bom ler suas crônicas. Grade abraço!
Adoro seus textos Rodrigo.
Me delicio com eles da mesma maneira que me deliciava com os textos do Veríssimo e do Jô na época que eles escreviam pra Veja.
Thanks Man!