Eu tinha acabado de sair do consultório com a minha mãe. Nós dois tínhamos consulta. Eu fui oficialmente diagnosticado com pressão alta, presente do meu pai. Minha mãe saiu de lá com receitas para uns 27 remédios diferentes.
Pedimos um Uber, que chegou em menos de três minutos e custou menos de vinte reais. E esses, meus camaradas, foram os únicos dois pontos positivos de pegar um Uber no Brasil naquele dia.
Entramos no banco de trás. Eu coloquei o cinto, como sempre faço.
Minha mãe olhou pra mim e riu.
— Você tá mesmo europeu agora, ela disse. E não foi elogio.
— Aqui é Brasil. Ninguém usa cinto no banco de trás.
Essa zombaria ia voltar para assombrá-la muito em breve.
O motorista arrancou no meio do trânsito caótico de Belo Horizonte, minha cidade natal. Ligou o rádio no último volume. Isso é padrão. Todo Uber no Brasil toca música alta o suficiente pra tremer a alma. E nunca é música boa.
É sempre música evangélica ou sertaneja. O mais comum é tocar qualquer coisa do Zezé di Camargo, um sujeito que canta a mesma música há 45 anos e euy nem sabia que ainda estava em atividade. “É o Amor” é hit garantido em 9 de cada 10 corridas de Uber.
O motorista de hoje? Acedite se quiser, estava ouvindo outra coisa. Ainda alto demais, mas… tolerável. Nenhum sinal do Zezé! Dia de sorte, eu pensei.
Estava errado.
O motorista dirigia possuído pelo capeta, se enfiando em espaços que não existiam, freando, acelerando, jogando o carro pra todo lado. Era como andar numa montanha-russa daqueles parques itinerantes. Você não sabe quando, mas uma hora vai cai.
Minha mãe agarrou minha mão e apertou com tanta força que achei que eu senti um osso deslocando.
— Calma, ela sussurrou pro o motorista.
Mas ele não ouvia nada. Estava em transe.
E então aconteceu.
No sinal vermelho, ele fechou outro carro de um jeito tão agressivo que quase bateu.
O outro motorista, do meu lado, olhou pra ele com aquela cara. Sabe a cara universal de vai encarar? Essa mesmo.
A reação do nosso motorista fo no ligeiramente inusitada.
Ele enfiou a mão debaixo do banco e puxou uma faca.
Não uma faquinha qualquer. Uma peixeira gigante, estilo Crocodilo Dundee.
Ergueu na frente da janela.
— Quer conversar?! — ele gritou.
A mão da minha mãe agora furava a minha com as unhas pontudas dela.
O rosto dela ficou tão branco que brilhva no escuro do carro.
O sinal abriu.
E lá fomos nós de novo.
Mais rápido. Mais furioso. Mais insano.
A faca ainda na mão dele, agora balançando enquanto ele discursava.
Tentei aliviar o clima com alguma conversa mole.
— Autodefesa, né?, comentei.
Os olhos dele brilharam.
E pelo resto do trajeto, ele contou suas histórias como motorista de Uber. Todas envolvendo confusão, violência iminente, e a aparição da faca mágica que resolvia tudo.
Finalmente chegamos ao destino.
Um alívio tomou conta da gente.
Antes de irmos embora, ele se virou e disse:
— Vocês tinham que conhecer meu irmão. A faca dele é o dobro da minha.
E arrancou com o carro, sumindo na calada noite.
O rosto da minha mãe, ainda branco de pânico, iluminava o caminho até em casa.
E eu, com uma mistura de adrenalina e gratidão por ainda estar vivo, fiz o que qualquer cidadão responsável faria:
Abri o aplicativo da Uber e dei cinco estrelas bem merecidas pra aquele homem.
Ele traumatizou minha mãe pro resto da vida e quase nos matou de umas três maneiras diferentes? Sim.
Mas em nenhum momento, durante todo o trajeto, ele tocou uma única nota de Zezé di Camargo.
Rodrigo Bressane
Belo Horizonte
Onde me achar: bento.me/bressane
Aviso pós Cabra Mail. Oportunidade de trabalho. ⭐
Minha agência, a Round 6, abriu uma vaga de estágio para candidatos até 26 anos, fluentes em Português e Inglês. Para saber mais e se candidatar (ou compartilhar com alguém), é só clicar aqui.
Mas genteeee...